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Mariposa

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A Lua, o Escorpião e o Beijo da Morte 

Prólogo – Ceifeiro Pecador 

“Em meus últimos sonhos eu vejo seu olhar, você me prometeu que viria me ver de novo, mas nunca o fez e eu vejo essa lua e que lua aqui em nosso lar. Estarei te esperando para sempre meu amor.” 

O horizonte estava suave e o galho da árvore batia na janela do quarto do hospital-Você está aí?-perguntava a garota com a voz fraca-Sim estou aqui-respondia uma voz mais forte e garota continuava-Me deixe ver seu rosto só mais uma vez- e veio à resposta-Meu rosto, meu rosto... E uma sombra se desfez na escuridão, a garota estava morta. Ela tinha visto ele, ela tinha visto ceifeiro. 

A cidade de Flor-de-Acácia era uma cidade pacata de médio porte, tinha um rio que a cortava chamado Rio das Virgens e habitantes hospitaleiros, isso além de uma névoa que cobria a cidade nas manhãs frias, Kara tinha saído da sua cidade natal por problemas pessoais e para cursar a faculdade de administração, mas agora depois de dois anos por um acontecimento ele teria que voltar e encarar tudo aquilo que ele deixou para trás inclusive as mágoas e amigos. O ônibus estava quase chegando à cidade e Kara já sentia o clima frio da cidade que parecia gelar até sua alma e por um momento ele lembrou o porquê de ter ido embora e deixado tudo que tinha ali. Ele olhou para o lado e sentiu que o ônibus estava parando, já estava dentro da cidade e Kara olhando para fora viu um rosto conhecido, era um antigo amigo de infância que o estava esperando na rodoviária e os dois deram as mãos e começaram a conversar: Você está igual como me lembro Lenilton, ah perdão Len, dizia o Kara. E o outro respondeu: Você também parece igualzinho a antes, mas me chame de Chocker fica melhor assim”. “Ta Chocker não fique chocado”, repetia o Kara e os dois acabarão rindo juntos, mas de repente passou uma brisa fria - o vento da lembrança- e os sorrisos se transformaram em caras de tristeza e Chocker perguntou: ”Você quer ir ao túmulo dela?” e Kara respondeu: ”Não Chocker, eu irei para casa agora” e Kara pegou sua bagagem e colocou no ombro e começou a caminhar ignorando seu amigo Chocker, com isso Chocker olhou para o lado e falou: “Você não pode fugir de nosso passado para sempre Kara, você terá que enfrentá-lo e você sabe disso, então pare de fingir que nada aconteceu” e o Kara parou de andar e sem se virar disse: “Chocker esse não é seu ou nosso passado, esse é meu passado e por isso eu farei com ele o que eu quiser, então  Chocker tchau” e o Kara continuou andando com a cabeça baixa ignorando seu amigo Chocker, enquanto isso Chocker colocou a mão na cabeça em sinal que tinha dado uma mancada e com ele mesmo falou droga por que fiz isso? Chocker continuou se lamentando e o Kara já tinha ido para casa.  

Kara estava já chegando em casa e de repente sentiu como se alguém estivesse o observando e a brisa que passava balançava a árvore que ficava perto da sua casa, um vulto passava rápido naquela tarde chuvosa e observava o Kara como se o estivesse seguindo. A chave, onde está a chave? Kara se lembra que sua mãe sempre deixa a chave extra no terceiro vaso de flores perto da janela e a pega, com ela ele abre a porta e anda para cozinha achando o bilhete que seus pais tinham deixado em cima da mesa que dizia que eles tinham viajado para um encontro de grupo de casais e que Kara deveria comprar sua comida já que ele não sabia cozinhar quase nada, o bilhete dizia também onde estava o dinheiro e acabava falando que eles o amavam e que estavam com saudades. Lido o bilhete Kara andou até seu quarto e lá jogou sua bagagem no canto, olhou para o espelho e viu seu próprio rosto frio e de repente bam, um barulho alto da sala fez Kara desviar seu olhar no espelho e quando ele voltou seu olhar de novo viu uma figura misteriosa que lhe causou medo atrás dele, Kara olhou com a cara de espantado para trás, mas não viu nada e falou consigo mesmo dizendo que era o cansaço, o problema foi que não era, pois quando ele voltou seu olhar para o espelho, o espelho não refletia mais sua imagem, ele estava totalmente vazio. De repente o ar ficou gélido e Kara se virou para trás e viu aqui que ele tinha visto antes no espelho, aquela figura o assustou e ele deu um grito de terror e caiu para trás. Essa figura sombria tinha forma humana, um garoto vestido com uma roupa preta estranha e com uma grande ceifa na mão, ele também estava com um sorriso mórbido no rosto e ali parado falou: “Oi Kara, como você está?” e o Kara já se recuperando do susto respondeu: “Quem é você, o que é você?” e a figura estranha com seu sorriso mórbido falou: “Eu tenho muitos nomes como morte, ceifeiro, ou deus da morte” e dito isso ele olhou mais sério para o Kara, que já estava se levantando, e disse: “Meu nome é Ikaros, sou um ceifeiro” e o Kara não entendo o que estava acontecendo perguntou: “O que você quer, o que você quer comigo?” e Ikaros respondeu: “Eu quero...hahahahahahahaha...te contar algo” e nesse instante Ikaros desapareceu como um vulto aparecendo atrás do Kara em frente ao espelho, fazendo com que o Kara se virasse para frente do espelho, com isso Ikaros  sorrindo falou: “Eu matei a Evelyn...hahahahahahahahaha” e nesse momento o olhar do Kara ficou cheio de ódio e ele pulou para cima do Ikaros, mas Ikaros desapareceu como num vulto e Kara caiu em cima do espelho quebrando-o e machucando sua testa que começou a sangrar. Ikaros reapareceu em frente ao Kara caído e ficou olhando-o com o olhar esnobe como que explicitando que ele era imaturo e intuitivo demais para pensar com calma numa hora dessas e por fim Kara se acalmou, levantou-se e foi ao banheiro lavar o ferimento. Ikaros ficou parado no mesmo lugar, enquanto Kara olhava a gravidade do corte no espelho, depois de limpar o sangue ele colocou um curativo simples, mas sabia que o corte precisava de pontos e então o Kara voltando para o quarto falou para Ikaros: “O que você fez agora a pouco, o jeito que você está vestido, eu acredito em você, mas acreditar que você matou a Evelyn... Como vou saber que você não está mentindo?” E Ikaros respondeu com seu sorriso mórbido: “Que corte feio hein? Mas acho isso interessante, pois a maioria das pessoas não aceitaria tudo isso numa boa e você simplesmente ignora que está conversando com a morte, eu não posso responder sua pergunta com palavras então vou mostrar minha resposta, então venha comigo” e Ikaros fez sua ceifa desaparecer e então saiu pela janela e começou a caminhar. Então ele olhou para trás como que esperando Kara e Kara deixou tudo e o seguiu, Kara perguntou: “Para onde vamos?” e Ikaros respondeu: “Vamos visitar um certo alguém” e Kara começou a caminhar passando um pouco na frente, mas ficando ao lado de Ikaros. Os dois caminhavam pela calçada da rua e Ikaros como sempre estava com seu riso de ironia e quando eles passaram de certo ponto do caminho o Kara percebeu que apenas ele conseguia ver Ikaros e perguntou: “Por que só eu consigo te ver?” e Ikaros respondeu: “Ninguém vê morte Kara, a menos que ela queira que você a veja, eu sou um ceifeiro e por isso só quem eu quero que me veja pode me ver” e com isso Ikaros andou ainda mais um tempo e de repente parou, os dois estavam á entrada do cemitério e Ikaros apontou para uma direção e mandou Kara ir até lá. Ele caminhou até um túmulo, era o túmulo da Evelyn que estava cheio de Flores-de-Acácia e Kara caiu de joelhos no chão com o olhar cheio de dor e suas mãos apertaram com força o buquê de Flores-de-Acácia refletindo sua raiva e dor.Ikaros começou a rir vendo que o havia machucado e Kara com raiva perguntou: “O que...O que você quer de mim?” E Ikaros respondeu: “Eu quero jogar, jogar um jogo muito interessante, o jogo da morte” e Kara virou-se com cara de surpresa, enquanto Ikaros continuou: “Eu sou um ceifeiro e meu trabalho é ceifar a vida das pessoas, separando suas almas de seus corpos, mas eu me cansei dessa monotonia quando acabei com sua namoradinha Evelyn. Olha só se eu mato alguém nada acontece porque é como se eu não estivesse ali e eu me cansei dessa vida, quero dizer dessa morte” e Ikaros deu uma grande gargalhada e depois disso explicou ao Kara que ele não tinha escolha se não jogar seus jogos, pois se ele recusasse, Ikaros o mataria, mas mesmo assim Kara não aceitou e então Ikaros ameaçou matar as pessoas próximas a ele o que fez Kara concordar com seus termos. Então Kara falou com o olhar frio: “O que você quer que eu faça?” e Ikaros respondeu: “Quando eu mato alguém ninguém nota que eu ceifei aquela pessoa, mas quando uma pessoa mata outra isso vira um jogo muito divertido...Hahahahahahahahahahahah” e Ikaros olhou nos olhos do Kara e falou: “Eu quero que você mate alguém” e ouvindo isso as mãos de Kara apertaram firme o buquê de novo com que com ódio e com olhar frio Kara disse pra si mesmo que não tem escolha porque é um desconhecido ou as pessoas que ele ama e com isso na cabeça Kara disse: “Eu conheço a maioria das pessoas dessa cidade me diga o nome que eu farei” e Ikaro falou: “Essa pessoa chegou na cidade faz pouco tempo, por isso é bem provável que você não a conheça, ela veio fazer um tratamento no hospital daqui” e Kara disse com os olhos olhando dentro dos olhos de Ikaros que estava com seu sorriso mórbido: “Me diga o nome” e Ikaros em meio a risos falou: “Isabelle Oliveira Aristides da Silva...” e Kara interrompeu Ikaros dizendo que não conhece ninguém com esse nome, mas Ikaros terminou sua frase: “Isabelle Oliveira Aristides da Silva também conhecida como Belle” e Kara Ficou chocado como se conhecesse a pessoa, enquanto Ikaros olhava pra seus olhos com um sorriso irônico. 

Primeiro Ato – Doce Maçã da Morte 

“... Hoje chegou uma paciente nova no hospital—a Belle—e me disseram que ela está muito doente exatamente como eu, mas é exatamente por isso que acho que seremos grandes amigas, eu conversei com ela hoje e tenho certeza que você iria gostar dela se a conhecesse, mas acho que você talvez...” 

A luz do sol batia em seu rosto e Ikaros virava seu olhar para o horizonte percebendo as nuvens do céu, já Kara olhava para aquele quarto de hospital com um binóculo e sentia o vento batendo no seu rosto e espalhando seus cabelos. Naquele quarto, sendo observada por entre a janela estava ela—a garota que Ikaros queria morta—deitada naquela cama de hospital, de repente Kara para de observá-la com o binóculo e começa a conversar com Ikaros: 

—Espiando alguém assim, eu até pareço um pervertido—disse Kara com um olhar irônico. 

—Já faz três dias que você está nisso, parece que se esqueceu do nosso trato, talvez eu deva matar um parente seu para eu me divertir um pouco e você lembrar como nosso jogo funciona—respondeu Ikaros com seu sorriso sempre mórbido. 

—Olha só! Passamos apenas três dias juntos e já estou cheio do seu sorriso mórbido—falou Kara meio enfurecido. 

—Hahahahahahahaha, se não quer mais me ver, você apenas tem que fazer o que eu te disse para fazer—falou Ikaros com um olhar mais sério. 

E Kara ouvindo isso voltou para dentro de casa em seguida saindo, Ikaros pulou diretamente do teto para o chão, acompanhando Kara que já estava saindo de casa e Ikaros foi caminhando junto com ele seguindo a direção do hospital. Chegando lá, Ikaros não entendeu o que Kara ia fazer e pensou: “Será que ele vai tentar matá-la agora? Não, isso seria muito arriscado, mas então o que ele vai fazer?” Por mais que Ikaros pensasse, não conseguia achar a resposta, pois naquele momento tudo parecia imprevisível. Kara entrou no hospital e foi até a recepção e começou a conversar com a recepcionista: 

Oi estou procurando o quarto de Isabelle Oliveira, você pode me ajudar?—perguntou Kara. 

—Você é parente ou familiar?—perguntou a recepcionista com cara de chata. 

—Bem, não... —respondeu Kara que foi interrompido pela recepcionista antes de terminar. 

—Então lamento, mas não posso dar essa informação—falou a recepcionista como se não ligasse para nada. 

E Ikaros olhou para o Kara perguntado o que ele iria fazer, Kara parou por um momento e pensou, dando um sorriso discreto em seguida e assim falou para recepcionista: 

—Eu sou o namorado dela, posso vê-la? 

—Ah me desculpe é que são normas do hospital, claro que você pode vê-la, ela está no quarto número 12, mas não permitimos visitas muito longas então seja breve—falou a recepcionista com cara de sem graça. 

Então Ikaros deu uma risada vendo que Kara tinha manipulado a situação e sentiu que talvez ele fosse mesmo matar a Belle agora, então segui Kara que se dirigiu ao quarto pegando o elevador, mas ele chegou ao segundo andar onde ficava o quarto 12, que surpresa, saindo do quarto estava alguém que ele conhecia. Era uma amiga sua de antes dele sair da cidade, seu nome era Eryka e para evitar que ela o visse, Kara se virou ficando de costas, mas foi inútil porque parecia que essa loira tinha olhos de águia e mesmo não o vendo de frente o reconheceu e chegou perto para cumprimentar: 

—Kara? É você mesmo?—falou Eryka fingindo olhar de surpresa. 

—Ah Eryka... Eryka, oi!?—respondeu Kara meio sem graça tentando fingir que estava chegando agora. 

—Quando você chegou e como você está?—perguntou Eryka. 

—Faz um tempo que eu cheguei e eu estou bem, mas como você está loira?—respondeu Kara com outra pergunta. 

—Bem também e eu sinto muito pela Evelyn, mas o que você está fazendo no hospital?—e também respondeu a Eryka com outra pergunta. 

Mas antes do Kara responder, passou um paciente indo para ala da UTI em estado grave e Ikaros notou um vulto quase imperceptível seguindo-o, mas não foi atrás e preferiu ficar de olho no Kara que estava pensando numa resposta para dar a Eryka. Ele se lembrou do ferimento que conseguiu quando caiu em cima do espelho e o usou como desculpa. Nesse momento chegou mais alguém no corredor e reconheceu Eryka, era uma garota baixinha com cara de brava e enquanto ela falava com Eryka, Kara ficou sobrando na conversa e pensou consigo mesmo: ”Mulheres aff”. Então Eryka depois de muitos minutos se lembrou que Kara estava ali e apresentou a tal garota: 

—Kara esta é a Natália, a melhor amiga de uma amiga minha que está aqui nesse hospital—disse Eryka mostrando Natália. 

—Prazer, Kara... —e Kara cumprimentou Natália. 

—Oi sou Natália—falou cumprimentando o Kara. 

—É mesmo Natália, Kara era um... Uma pessoa muito importante para Evelyn—falou Eryka meio perdida e se sentindo desconfortável com a situação. 

—Então você é o cara que fugiu—perguntou Natália olhando para Kara com cara de irritada. 

E naquele momento Kara começou a pensar numa coisa que um de seus amigos lhe disse, que toda baixinha é revoltada. E com isso em mente falou para si mesmo: ”Eu mereço”. E continuou dando uma resposta: 

—Eu já estou de saída, foi quase um prazer te conhecer Natália—respondeu Kara com um olhar irônico. 

Ele se despediu de Eryka e saiu em direção às escadas, mas Ikaros ficou ali mesmo e notou que Kara não desceu as escadas e estava só esperando Eryka ir embora para ir ao quarto de Belle. No entanto Eryka apenas foi para o outro lado do corredor e ficou conversando com Natália e Kara vendo uma oportunidade, entrou despercebido no quarto da Belle e Ikaros o seguiu. Então ficaram os três—Kara, Ikaros e Isabelle— frente a frente, mas só que Belle estava dormindo e por coincidência esse quarto número 12 era o mesmo que a Evelyn tinha ficado. Por um momento Ikaros se lembrou de quando ceifou a vida de Evelyn, mas tinha algo que ele pensava que queria esconder e seu sorriso mórbido se desfez o deixando sério, já Kara vendo aquela garota dormindo tão profundamente com um rosto tão doce se lembrou de Evelyn e que ela gostava de maçãs e borboletas. Para ela essas coisas eram o céu e o inferno, borboletas eram lindas, mas você só veria a mesma borboleta uma vez só e isso era como o amor da sua vida porque era lindo, mas você só teria a chance de conquista-lo uma vez só, assim pensava Evelyn: “Elas são mariposas em espanhol”. Já com maçãs tinha haver com felicidade, era uma coisa doce, mas também uma coisa proibida, pois para se ter um momento feliz, as pessoas tem que pagar esse momento depois, seja na forma de dor ou de decepção. E por mais que Kara se achasse insensível após tudo isso, essas lembranças cortavam fundo seu coração como nada nunca cortou antes. Mas um trato era um trato e Ikaros esperava para ver se Kara cumpriria sua parte como havia dito que faria. O que acontecia é que Kara não ia fazer o que Ikaros queria, mas não conseguia pensar numa saída e o clima começava a ficar pesado no quarto. Ikaros mandou o Kara cumprir sua parte, ou seja, matar garota, mas Kara ficou calado e imóvel e quando Ikaros estava prestes a agir contra Kara, ele notou um vulto os observando de fora da janela e de repente desapareceu como se tivesse virado uma sombra deixando Kara sozinho com Belle. Kara não entendeu a atitude de Ikaros, mas ficou aliviado em não ter que matá-la e olhando mais de perto para ela sentiu algo estranho como se estivesse sentindo sua dor. Então Kara olhou pela janela e desviou seu olhar para o horizonte lembrando-se de muitas coisas, essas lembranças que não o deixam dormir a noite e que o fazem seguir essa obsessão em busca de não sei o que, mas seja o que for, essa vontade não pode ser saciada. Kara se virou da janela olhando para Belle e logo depois saiu do quarto, mas ao sair acabou batendo em alguém, o barulho da batida derrubou os dois—Kara e o garoto que estava passando— chamando atenção e impediente Kara e o garoto se levantaram e correram para o outro lado do corredor, já que perceberam que tinham também chamado a atenção de Eryka e Natália que estavam conversando. Então os dois se tocaram que cada um deles estava fazendo algo errado e já nas escadas, eles olharam um para o outro e começaram a se interrogar: 

—Espera aí, você estava espionando a Eryka?—perguntou Kara com o olhar desconfiado. 

—Não, claro que não, mas ei espera também, o que você estava fazendo lá no quarto da Belle?—falou o garoto. 

—Você a conhece?—perguntou Kara em tom de surpresa. 

—Claro, nós estudamos na mesma escola, mas o que você estava fazendo? Você estava... —e antes do garoto completar a pergunta Kara o interrompeu. 

—Não eu não estava fazendo nada, bem eu sou Kara—disse Kara se apresentando. 

—E eu sou Guilherme—Falou o garoto. 

—Então Guilherme, eu não te vi aqui e você não me viu aqui, entendeu?—perguntou Kara com uma cara de pervertido. 

—Certo então ninguém viu nada—respondeu Guilherme com uma cara de safado. 

E Kara e Guilherme se separaram indo pelas escadas já que não podiam voltar pelo elevador para não chamar atenção das garotas. Guilherme desceu as escadas enquanto Kara subiu. Kara chegou à parte de cima do hospital, de lá se tinha uma boa vista e lá também ficavam estendidos os lençóis de cama que vinham da lavanderia do hospital. O vento batia forte os balançando muito e Kara logo notou uma presença, logo depois disso um vulto apareceu e se fez visível perto do dele que estava longe da porta. Deu para notar que também era um ceifeiro igual ao Ikaros, mas não era o Ikaros, era uma mulher com uma ceifa na mão e os dois—Kara e a mulher—começaram a conversar: 

—Então você deve ser o Kara—comentou a mulher. 

—É sou eu mesmo, o que você quer comigo?—perguntou Kara. 

—Você não sabe? Não sabe mesmo? Então vou explicar, eu vim ceifar sua vida—respondeu a mulher com um sorriso assustador no rosto. 

—Então eu estou certo, você é uma ceifeira como eu pensei que fosse—comentou Kara. 

—Não é bem assim, não existe o termo ceifeira, somos todos ceifeiros e só isso—respondeu a mulher balançando a ceifa. 

—Hum que hierarquia machista—falou Kara com um olhar esnobe. 

—Bem chega de conversa, é sua hora de morrer—disse a mulher gritando e correndo para cima do Kara. 

A mulher girou sua ceifa e partiu para cima do Kara e quando ia atingi-lo, um vento passou e que surpresa, Ikaros apareceu e defendeu o Kara com sua ceifa, medindo forças com a mulher, mas Ikaros fez impulso com seu corpo empurrando a mulher para frente que quase caiu e usou sua ceifa para se apoiar. E então os dois começaram a falar: 

—Ikaros por acaso você está querendo morrer?—Perguntou a mulher se apoiando na ceifa e com um sorriso irônico. 

—Que coincidência, eu ia perguntar a mesma coisa a você—respondeu Ikaros como sempre com seu sorriso mórbido na cara.  

Segundo Ato – Melodia dos Condenados Parte 1 

“... Eu ouço nossa música, a minha música. Sei que ela me entende, ela entende você, ela nos entende. É só ela que sabe o que sinto e eu queria que você também se lembrasse de mim ouvindo ela, eu queria... 

O vento sempre passava para trazer lembranças ou para cobrá-las de volta e Kara devia muitas lembranças ao vento, Ikaros apenas o olhava porque não podia senti-lo e a “ceifeira” apenas o esnobava porque não queria lembrar. Então após os sorrisos mútuos de vantagem os dois—Ikaros e a “ceifeira”—voltaram a conversar: 

—Eu gosto de saber a quem vou matar então me fale seu nome—disse Ikaros. 

—Ta bom, eu te direi meu nome. Eu sou Silviane Jéssica Ceifeiro da Lua Negra e não precisa se identificar porque eu sei quem você é Ceifeiro Pecador—disse Silviane. 

—Sei então pode me falar uma coisa? Quem te mandou aqui?—perguntou Ikaros com o olhar mais sério. 

—Seja quem for Ikaros, ele deixou bem claro que eu tinha que te matar e matar seu amiguinho mortal também—disse Silviane com um olhar ameaçador. 

Ikaros depois de ouvir essas palavras sorriu e isso transformou o olhar ameaçador de Silviane em uma cara séria, imediatamente Ikaros girou sua ceifa demonstrando grande habilidade com ela. Ele a apontou para Silviane e começou a falar: 

—Seja quem for que tenha te mandado ou é muito burro ou quer se livrar de você. Bem já faz um tempo que não ceifo uma garota, mas aviso que não sou tão educado. Kara você não vai morrer hoje então caia fora daqui porque se você ficar pode não conseguir almoçar—disse Ikaros se dirigindo ao Kara. 

Ikaros e Silviane se olharam como se esnobassem um ao outro, Kara apenas ficou observando sem saber o que iria acontecer e apesar de seu olhar frio, ele estava muito tenso por dentro, pois estava no meio de tudo isso e era impossível saber o que aconteceria. O vento jorrou de novo balançando os lençóis estendidos. O Ceifeiro Pecador contra o Ceifeiro da Lua Negra, a batalha ia começar. Mas um andar abaixo no hospital Eryka e Natália conversavam como se nada estivesse acontecendo, elas mal podiam imaginar o que estava prestes a acontecer, pior que isso é que elas não notaram que estavam sendo espionadas pelo Guilherme que estava escondido ouvindo toda a conversa perto das escadas. Voltando a luta sangrenta dos ceifeiros, os dois estavam prontos para começar e quando o vento balançou o os lençóis mais uma vez Ikaros e Silviane avançaram um em direção ao outro. Ikaros foi pelo lado direito rodando sua ceifa e atacando Silviane que também foi pelo lado direito usando sua ceifa como defesa. Então Ikaros inverteu os lados girando o corpo e impulsionando sua ceifa para o lado inverso com o objetivo de ceifar a Silviane, mas ela se abaixou rápido evadindo o golpe e mandando um golpe com sua ceifa de baixo para cima em sentido de gancho que fez com que Ikaros fosse obrigado a dar um pulo para trás para se evadir do golpe. Com isso Silviane viu uma chance e partiu para cima de Ikaros que usou sua ceifa para se defender, mas Silviane tinha ganhado mais impulso forçando Ikaros à beirada do telhado do hospital. Prevendo o que ia acontecer Ikaros aproveitou a força da ceifa de Silviane para conseguir impulso dando salto mortal e aparecendo nas costas de Silviane que rapidamente se virou. Agora a situação era inversa e Silviane que estava na beirada, Ikaros deu um sorriso discreto e começou a atacar... Um, dois, três golpes com a ceifa que Silviane desviava já com dificuldade e quando Ikaros viu uma brecha ele deu um salto mortal girando sua ceifa deixando Silviane impressionada. A ceifa de Ikaros girou e quando Silviane tentou se defender com a dela teve a sua ceifa jogada para longe, imediatamente Silviane correu para pegar sua ceifa que tinha ido em direção ao Kara que não acreditava no que seus olhos mostravam, era algo tão alucinante que parecia irreal. Ikaros ainda no ar viu que Silviane ia acertar Kara e o chamou atenção, mas já era tarde demais, então Ikaros fincou sua ceifa no chão e ainda no ar tomou impulso chegando bem a tempo de defender Kara que apesar de ter sido salvo foi empurrado porque Ikaros não conseguiu defender totalmente o golpe. Kara ficou dependurado na beirada enquanto Ikaros repelia a ceifa de Silviane, Kara tentava se segurar mais estava difícil e a luta entre O Ceifeiro Pecador e o Ceifeiro da Lua Negra já não era mais visível. Os dois eram tão rápidos que se transformaram em vultos sobre o vento fazendo Kara ouvir apenas o barulho do metal das ceifas rangendo uma na outra e os vultos se batendo de um lado para outro espalhando o vento. Então Silviane foi em direção aos lençóis estendidos e o vento ficava cada vez mais forte e dessa vez trazia o cheiro da chuva que viria logo, as nuvens no céu se moviam e o dia começava a escurecer. Ikaros seguiu Silviane que ficou entre os lençóis estendidos, nesse momento Kara finalmente conseguiu subir de volta ficando em pé ao lado oposto onde estavam Silviane e Ikaros. Ikaros atacou Silviane que estava entre os lençóis, mas teve uma surpresa ao saber que foi enganado, pois Silviane saiu rápido deixando Ikaros confuso. Ele olhava em volta, mas não conseguia vê-la e de repente do nada a ceifa de Silviane veio arremessada em direção ao Kara, nesse momento Ikaros gritou mandando ele se abaixar. Mas como já não dava tempo, Kara apenas caiu para trás e por pouco a ceifa não o cortou. Kara até viu lentamente a ceifa cortar um pouco da franja de seu cabelo. Mas esse não era o fim do avanço de Silviane, ela apareceu atrás do Kara pegando a ceifa e colocando a ceifa rente ao seu pescoço, mas nesse momento Ikaros foi muito rápido colocando sua ceifa rente ao pescoço de Silviane também. Se Silviane ceifasse Kara, Ikaros a ceifaria começava o jogo mortal e ficaram lá os três parados esperando o movimento um do outro. E começaram a conversar: 

—Nossa eu entre dois homens mais que delícia, hahahahahah—ria Silviane ironizando a situação. 

—São boas últimas palavras para uma vadia—falou Ikaros. 

—Vocês dois parem de paquerar e vamos decidir essa situação—disse Kara. 

—Bem é muito simples se a da Lua Negra te ceifar eu ceifo ela—disse Ikaros. 

—É nós acabamos nessa e eu jurava que te mataria—respondeu Silviane. 

—Eu gosto de senso de humor mórbido, mas isso já é demais—disse Kara. 

E os três ficaram parados enquanto a chuva preparava-se para chegar, quem desse o primeiro passo em falso morreria. Enquanto isso Natália conversava com Eryka quando se lembra de algo: 

—A que mancada—disse Natália colocando a mão na cabeça. 

—O que foi Natália?—perguntou Eryka. 

—Uma coisa que eu prometi a Belle que ia fazer ontem, mas esqueci de fazer, Eryka me desculpe eu tenho que ir tá—falou Nat pra Eryka com cara de desajeitada. 

—Não, ta tudo bem eu também já estava de saída Nat, Tchau, até mais—falou Eryka dando tchau. 

—Até mais Eryka Eryka, a gente se vê por aí—respondeu Nat dando tchau também. 

Eryka saiu em direção ao elevador e nesse momento Guilherme pegou seu celular e ligou para alguém tendo uma conversa misteriosa e avisando que Eryka estava saindo do hospital. Guilherme a continuou seguindo, enquanto isso Natália subiu até em direção a onde os ceifeiros estavam lutando. De volta à luta Kara, Ikaros e Silviane continuavam parados esperando o tempo, nesse momento Kara e Ikaros olharam um para o outro nos olhos como se estivessem planejando algo sem precisar falar nada. O dia estava cada vez mais escuro e de repente deu um trovão alto que estrondou tudo, aproveitando essa distração Kara saiu da ceifa de Silviane e Ikaros tentou ceifá-la, mas ela também usou isso para se salvar e ficaram Ikaros e Silviane se encarando quando Natália chegou de vez lá em cima, o que fez Silviane fugir, pois já estava cansada da luta. Natália não conseguia ver Ikaros, mas via Kara perfeitamente e perguntou o que ele estava fazendo ali, Kara enrolou e não respondeu e ele e Natália começaram a conversar: 

—Acho que nós não começamos muito bem Kara, desculpe é que com tudo que aconteceu com a Belle eu fiquei muito desconfiada e pelas coisas que ouvi de você e da Evelyn. Eu... —Natália falou, mas não conseguiu terminar, pois foi interrompida pelo Kara. 

—Eu entendo seus motivos Natália—disse Kara com um olhar suave. 

—Não fale assim porque assim fico mais desconfiada ainda, todos os caras que eu e Belle conhecemos ou são egoístas ou mentirosos, então qual deles você é?—perguntou Natália. 

—Eu sou eu mesmo e só, mas o que você está fazendo aqui?—respondeu Kara com outra pergunta. 

—Eu vim pegar uma coisa que a Belle esqueceu, mas e você? O que você faz aqui?—perguntou Natália. 

Então Kara enrolou, mas respondeu que era ali que Evelyn ia às vezes para esquecer-se de tudo e ele gostava de ir ali para lembrar. Natália olhou para o chão e achou o que estava procurando, era o antigo diário da Evelyn e ela tinha o dado para Belle um pouco antes de morrer, então Natália explicou que Belle às vezes fazia como a Evelyn e vinha para ali escrever. Por um momento Kara e Natália ficaram calados num silêncio mortal onde sentimentos queriam gritar, mas não conseguiam e Kara acabou saindo dali, aquilo o tinha machucado e Natália não havia se dado conta disso. Kara desceu em direção ao quarto de Belle seguido por Ikaros, tinha alguma coisa na Belle que o fazia lembrar a Evelyn e ele queria vê-la agora. Ao chegar no quarto que surpresa, Belle não estava lá e a janela estava aberta deixando o vento forte entrar, em cima do travesseiro um bilhete da Silviane que dizia estar com a Belle e mandava Ikaros encontra-la no Jardim da Acácias para que eles terminassem a luta. Kara olhou para Ikaros e Ikaros olhou para o Kara como se estivessem planejando tudo apenas com olhares e começaram a conversar: 

—A Silviane quer que eu fique longe de você para ela poder me matar, mas por outro lado temos que salvar a Belle, acho que estou começando a entender isso agora, se nem você nem a Silviane o mataram isso quer dizer que vocês não podem mata-la e eu por algum motivo especial posso, por isso você precisa de mim—disse Kara com a voz firme. 

—Não há tempo para explicações, eu tenho um plano—falou Ikaros. 

—E qual é?—perguntou Kara. 

—Vamos matar aquela vadia da Silviane e salvar Belle—respondeu Ikaros. 

—Matar e depois salvar é um plano bem simples—disse Kara. 

—Minha vida é simples, eu mato e faço o que quero—disse Ikaros ironicamente. 

—Interessante—comentou Kara. 

Nesse momento Ikaros pegou o braço do Kara e os dois pularam pela janela do andar caindo na parte da frente do hospital. Kara e Ikaros andavam rápido com o olhar firme e diziam: 

—Vamos matar a Silviane... —disse Ikaros. 

—... E salvar a Bell—disse Kara. 

A luta final dos dois ceifeiros vai ter um fim e nas mãos de quem ganhar estará à vida dos condenados. Ikaros ou Silviane? Quem vai morrer? Apenas a chuva vai mostrar a verdade e vai lavar a alma de Kara e o destino de Belle, pois apenas uma melodia irá ser tocada e apenas um ceifeiro cairá. 

CONTINUA... 

                                             Joab H. de Medeiros 

 

 

 

 

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